quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Performance - 1970


Estava em falta com esse filme. Baixei ele há tempos, mas quando decidi assisti-lo me deparei com uma cópia ruim e com legendas em alguma língua nórdica, eu suponho. E o inglês falado no filme é o cokney, a gíria londrina, ou seja, quase ininteligível. Depois achei uma boa cópia e com legendas em inglês. Até havia assistido uma parte numa noite dessas, mas naquela noite a vibe não estava boa e optei por um western mesmo. Tem hora que o espírito da gente não está propício para temas mais pesados. E o filme dirigido a duas mãos, por Donald Cammel ( já falecido) e Nicholas Roeg, não é brincadeira. A história dos bastidores do filme é marcada por muitas lendas.
A suposta ideia original do filme, que garantiu grana da Warner, era traçar um painel da cena inglesa dos anos 60, com todos os seus excessos. Mas claro que todos esperavam algo numa linha mais light. O nome de Mick Jagger no elenco, mais uma provável trilha composta pelos Stones, fizeram os olhinhos dos executivos brilharem e farejarem uma mina de ouro. Mas quando viram o copião tomaram um susto. O filme ficou retido então dois anos e cogitado ate de ter os negativos destruídos. Depois de inúmeros cortes e remontagens foi lançado já na década de 70. Cammel foi uma figura estranha: o pai era amigo de Aleister Crowley, o bruxo inglês; no cinema não realizou muitos filmes, e acabou cometendo suicídio justamente devido a problemas com seu último filme. Keith Richards em sua biografia não foi muito gentil ao se referir a ele, nem outros envolvidos nas filmagens igualmente.
Em entrevista concedida a um jornal inglês em 2007, Anita Pallenberg relembra que Cammell era um maluco, e quase obrigava o elenco a se submeter a cenas pornográficas, além do uso de alucinógenos. Reza a lenda que ela e Mick realmente chegaram às vias de fato em algumas momentos, e que existiriam inclusive takes do filme, não incluídas na cópia comercial, que mostrariam cenas não simuladas de sexo entre ela e o cantor dos Stones. Anita, que era mesmo uma doidona de mão cheia, que além de chegada às drogas pesadas era ligada em magia negra, desmentiu essas histórias. Mas o fato é que Keith na época do filme foi até a casa onde estavam sendo realizadas as filmagens e armou um barraco. E a turma de atores abusou mesmo das substâncias atuando chapada a maior parte do tempo.
O resultado, apesar das tesouradas e remontagens dos executivos não impediu que o filme se tornasse u marco no cinema mundial e inglês. Obviamente nunca foi exibido comercialmente no Brasil. O conteúdo teria sido demais para a censura militar e TFP dos anos 70.
Mick Jagger encarna um roqueiro já aposentado, recluso em sua casa, com apenas duas companheiras: uma moça de aspecto andrógino e Berthe, interpretada pela estonteante Anita Pallenberg, na época companheira de Keith Richard, que cultiva seus cogumelos para ocupar o tempo. A rotina ímpar do trio é modificada com a chegada de um gangster que procurava esconderijo, depois de problemas com o seu chefe. O absurdo e improvável encontro entre esse gangster conservador e o roqueiro entediado e pervertido é o cerne do filme. James Foxx interpreta o gangster Chas : e é curioso, que Marlon Brando, foi o primeiro nome cogitado para o papel. E para dar maior credibilidade passou algum tempo convivendo com marginais do submundo londrino.
Umas das paixões de Cammel era a obra do argentino Jorge Luís Borges, que eu suponho, ficaria horrorizado com o filme, e citações da sua obra podem ser pinçadas aqui e ali nos diálogos e principalmente na cena final. A capa de um dos seus livros também pode ser vista em um instante do filme.
O filme reserva, para além das suas lendas, muito mais para quem ainda não o conhece: trata-se mesmo em um mergulho fascinante, e despido de glamour pela cena inglesa dos anos 60, com o que tinha de melhor e pior. Peça única, singular e crucial para entender aquela década fascinante.

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